LÁ, ONDE O VENTO CHORA, Delia Owens

 


Lá, Onde o Vento Chora    

Delia Owens, 2018
Porto Editora

Quem se aventura nesta coisa de partilhar as suas opiniões em textos, geralmente segue uma linha condutora mais ou menos “standardizada”. Ditam as regras oficiosas que uma review deve ser composta por um breve resumo da história (seja livro, filme, peça,...) para os leitores saberem ao que vão; e pela opinião propriamente dita, em que quem escreve deve tentar convencer os seus leitores a ver/ler/ouvir o que é analisado, caso a opinião seja, claro, positiva.

Temo, no entanto, que os meus intentos neste texto de opinião não sejam completamente alcançados!

Desde logo porque qualquer breve descrição da história deste livro, por muito poética ou atraente que possa hipoteticamente ser, dificilmente alicia à sua leitura tanto quanto ele merece. Porque o trunfo deste livro, mais do que a história que nos conta, é o que nos faz sentir! Assim, falar da linha dos acontecimentos narrados quase parece supérfluo, tal é a beleza da estrutura, da escrita e das descrições que inundam estas páginas.

Lá, Onde o Vento Chora, mais do que nos apresentar, entrega-nos Kya. Uma menina de 6 anos que vive no pantanal da costa da Carolina do Norte. Com Kya ao colo, abraçamos uma incrível jornada em que somos arrebatados pelos sentimentos que Delia Owens nos consegue fazer vivenciar.

Sofremos com a família isolada, pobre, violenta e disfuncional de Kya; desesperamos com o abandono dos membros da família, um a um; confundimo-nos com a relação de altos e baixos com a figura paterna; preocupamo-nos com uma criança que se vê só no mundo e obrigada a crescer à força aos 10 anos; e, claro, sorrimos abertamente quando esta criatura tem um simples rasgo de felicidade.

A certo ponto, deixamos de a levar ao colo e parece que é Kya que nos puxa pela mão num conjunto de aventuras que é muito actual! Numa altura de confinamentos e distâncias sociais, assistimos a alguém que cresce em quase total isolamento e reduz ao máximo, e justificadamente, o contacto com outros seres humanos. Até porque Kya tem sempre alguém (além de nós) a tomar conta dela. E essa é a sua verdadeira mãe e personagem secundária do livro: a Mãe Natureza.

Delia Owens é zoóloga, cientista da vida selvagem e nesta sua primeira obra de ficção (!!!) arrasta-nos para o meio da Mãe Natureza com uma força imprevisível! As descrições transporta-nos para o meio envolvente de Kya com uma eficácia pouco comum. 

Ao longo desta prosa elegante e melancólica, não lhe largamos a mão e sentimo-nos sós com ela, ao longo da infância e da abrupta e forçada maioridade. Naturalmente apaixonamo-nos com ela e angustiamo-nos juntos quando o episódio que confere o tag de “mistério” ao livro acontece: um crime que põem em causa todo o modo de vida de Kya.

Lá, Onde o Vento Chora faz-nos, acima de tudo, sentir! Posso dizer que dificilmente algum livro provocou em mim tamanha intensidade de sentimentos (não revelo quais, pois pode ser considerado spoiler) como este, num episódio lá para o meio da história. 

Enquanto lia este livro, não deixei de pensar na personagem e sentia mesmo a falta de Kya quando não estava com ela, quase como que culpado por tê-la deixado só, no pantanal!

Senti (sinto) a falta dela ainda antes do livro acabar, porque queria continuar naquele pantanal, descalço, com os pés nas águas escuras e lamacentas, com riachos errantes e lentos, ervas altas e aves de pernas longas a levantar voo graciosamente.

Resta-me apenas pegar nesta tocante obra e colocá-la lá, onde o vento pode não chorar, mas onde fica a estante dos melhores livros da minha vida.

NOTA: 10/10




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